Versão em Inglês — Versão em Português Segue Abaixo
Few societies go through the philosophical exercise of asking what should be the real roles of their governments. It would be equivalent to the process known as Zero Based Budgeting in which the activities carried out are examined and questioned: are they necessary, desirable or unnecessary? Once their categories have been defined, the resources necessary and the budgets are then delineated.
When activities—and therefore budgets—are examined in private and public organizations, what’s common is to begin with the current situations and debate if they should be maintained or increased. Rarely does anyone ask something with philosophical implications for government entities, namely “Is it our role to do this?” As to Zero Based Budgeting, it doesn’t enter the mind of the dishonest politician. On the contrary. More is better because part—who knows, even 100 percent? [see the joke in Annex I below]—goes into his pocket.
When dealing with government support of artistic and/or cultural activities, the argument is always the same. One hears repeated, like a mantra, “The people need culture”. As a function of that hundred of millions of Brazilian reais are spent every year for a wide variety of activities, including Carnival parades, production of films and support of symphony orchestras.
Now we have the case of the Symphony Orchestra of the State of São Paulo. The conductor and artistic director, John Neschling, announced his departure. He complains of interference of the State Secretariat of Culture in the OSESP budget, even though the Secretariat provides the equivalent of US$27 million of the US$38 million of its annual budget. OSESP concert-goers are nervous: they fear a drop in the artistic quality of the excellent orchestra. The situations screams of hypocrisy, undervaluation and illogic.
To judge by the automobiles in which the concert-goers arrive at the Sala São Paulo, one concludes their average income is high. Many are subscribers to concerts of the Mozarteum series which cost six times as much as the OSESP concerts. In other words, a good part of the subscribers to the OSESP concerts don’t need government support. They argue in favor of government support but pay six times more to attend concerts of other, unsupported, series.
The OSESP concerts are cheap. The best seats cost little more, for retirees, then tickets to the cinema. And what do the subscribers do when they can’t attend concerts? Many throw their tickets in the wastebasket! The seats remain vacant!
There are 1,500 seats in the Sala São Paulo, and each year 120 concerts of diverse types are presented: that's 180,000 concert seats per year. Let’s suppose that 20% of the OSESP budget is reserved for tours and educational activities. That leaves the equivalent of US$30 million for the concerts, or a cost of US$167 per seat. OSESP charges, though, perhaps only 20% of that amount.
The State of São Paulo supports the OSESP with US$27 million per year, and there’s insufficient funding for schools, hospitals and public safety. And who goes to the OSESP concerts? Not "the people". The poorest people want samba, and many of the middle class want Brazilian popular music. Those who go to concerts of classical music are persons who are better positioned economically, and certainly much above the average. Where’s the Zero Based Budgeting? Is it the role of the State to finance an orchestra?
Symphony orchestras in the USA don’t receive government subsidies. They survive—some very well—with the income from ticket sales, sales or recordings, sponsor support and philanthropic donations. Their financial life may require a struggle, but good fighters produce excellent results.
The work done to reconstruct the OSESP was top quality excellent. The Sala São Paulo is world class, and the orchestra as well. Now the hard work may have to begin to alter the financial structure of OSESP so that persons who like classical music, and who listen to it, are the ones who pay its cost.
But what to do in the interim, while the cost is not being paid by the concert-goers? What should be done so the excellence achieved by the OSESP is not lost? Well, if Brazil had the standards of honesty of Finland, it would be easy: insist that the concert-goers support the cost and end of story. But as Brazil doesn’t come close to Finland, and a high proportion of its politicians steal, and a lot—just the dollars in the account blocked in the UK which are attributed to former São Paulo Mayor (currently a federal Congressman and now—again—candidate Mayor!) Paulo Maluf would support the OSESP for more than four years—it’s better to maintain the support. The politicians’ will continue their thievery? Certainly. Then keep the subsidy of the OSESP. It’ll be a form of offset to benefit the rich who are aficionados of classical music.
Annex I.
The Mexican took the Brazilian over to the window. He pointed outside. “Do you see that bridge over there?”
“Yes.”
The Mexican President patted his pocket. “Cinco por ciento.”
Some months later, after the Brazilian had left office, he and his wife received the former Mexican President and his wife on a private visit to their home in Brazil. Their home is a veritable palace, as is the ranch—one of several they own—to which they took the Mexicans for the weekend. As had occurred when the Brazilians visited Mexico City, the Mexicans were very impressed with the Brazilians’ properties and decoration, especially their art collection.
In the early evening, then, during cocktails, the former Mexican President asked his Brazilian counterpart, “Tell me something. Your properties are simply magnificent and your art collection is something even the Louvre would be pleased to have. How did you manage on your President’s salary?”
The Brazilian took the Mexican to the window. He pointed. “Do you see that bridge over there?”
The former Mexican President looked out. A frown came over his face. He looked again. “Bridge? I don’t see any bridge.”
The Brazilian patted his pocket. “Cien por ciento.”
Portuguese Version — English Version Above
Decisões tomadas no Brasil, como em todas as sociedades, refletem suas prioridades. Educação nunca foi—como demonstrou eloquentemente Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil—e continua sendo, não prioritária. Se fosse prioritária, o país seria do primeiro mundo. O judiciário sempre foi, e continua sendo, disfuncional. Historicamente foram as elites latifundiárias as beneficiadas da disfunção. Atualmente os detentores do poder político são as elites brasileiras. 40% dos membros dos congressos federais são réus em processos criminais, muitos já condenados; precisam de um judiciário ineficaz ou inoperante. Assim estabelecem leis que permitem que praticantes de atos ilícitos tenham condições para propagar sua permanência no poder. Já que educação não é prioritária, os eleitores desinformados, enganados, os elegem.
Assim o Brasil é uma sociedade em que más decisões são tomadas. Refletem os interesses de um grupo que deveria representar o povo brasileiro, mas que não o faz. Agem guiados pelos seus interesses indidivuais e pessoais. Quando se trata de eleições, a mantra é “Obra.” São construídas pontes, parques, reformadas ruas e avenidas. A infra-estrutura fundamental que o país precisa, um povo instruído, fica em segundo plano. Demora demais para mostrar resultado, e representaria ameaça ao poder político.
Poucas sociedades realizam o exercício filosófico de perguntar quais devem ser os papeis reais dos seus governos. Seria equivalente ao processo conhecido como Zero Based Budgeting (Orçamento a Partir de Zero) em que as atividades realizadas são examinadas e questionadas: são necessárias, desejáveis ou dispensáveis? Uma vez definidas suas categorias, são anali-sados os recursos necessários, e os orçamentos então delineados.
Quando atividades—e portanto orçamentos—são examinados em organizações privadas e públicas, o comum é de partir das situações atuais e debater se devem ser mantidos ou acrescidos. Raramente alguém pergunta algo com implicações filosóficas para entidades governamentais, “É nosso papel fazer isto?” Quanto ao Zero Based Budgeting, não entra na cabeça de um político desonesto. Pelo contrário. Mais é melhor, porque parte—quem sabe, até cem por cento?[veja a piada em Anexo II abaixo]—vai para seu bolso.
Quando se trata de subvenção de atividades artísticas e/ou culturais por parte de governos, o argumento é sempre o mesmo. Repete-se como mantra, “O povo precisa de cultura”. Em nome disso são gastos centenas de milhões de reais todos os anos para as mais variadas ati-vidades, incluindo desfiles de Carnaval, produção de filmes e apoio a orquestras sinfônicas.
Agora temos o caso da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. O maestro e diretor artístico, John Neschling, anunciou sua saída. Reclama da ingerência da Secretaria de Cultura do Estado no orçamento da OSESP, apesar da Secretaria fornecer R$ 43 milhões dos R$ 60 mi-lhões do seu orçamento anual. Os freqüentadores dos concertos da OSESP estão nervosos: temem uma queda na qualidade artística da excelente orquestra. A hipocrisia, desprezo e a ilógica da situação são gritantes.
A julgar pelos automóveis em que chegam à Sala São Paulo os freqüentadores dos concertos, conclui-se que sua renda média seja elevada. Muitos são assinantes de concertos da série Mozarteum, cujo custo é seis vezes o custo dos concertos da OSESP. Quer dizer, uma boa parte dos assinantes dos concertos da OSESP não precisa de subvenção governamental. Argumentam a favor da subvenção mas pagam seis vezes mais para assistir concertos de outras séries não subvencionadas.
Os concertos da OSESP são baratos. Os melhores assentos custam pouco mais, para apo-sentados, que ingressos de cinema. E o que fazem assinantes quando não podem assistir concertos? Muitos jogam seus ingressos no lixo! Os assentos ficam vazios!
São 1.500 assentos na Sala São Paulo, e são apresentados a cada ano em torno de 120 concertos de diversos tipos: são 180 mil assentos de concerto por ano. Vamos supor que 20% do orçamento da OSESP seja reservado para turnês e atividades educacionais. Isto deixa R$ 48 milhões para os concertos, ou um custo de R$ 267 por assento. A OSESP cobra, talvez, 20% disso.
O Estado subvenciona a OSESP com R$ 43 milhões por ano, e não há dinheiro suficiente para escolas, hospitais e segurança. E quem freqüenta os concertos da OSESP? Não "o povo". O povo menos abastecido quer samba, e muitos da classe média querem MPB. Quem assiste concertos de música clássica são pessoas mais economicamente posicionadas, certamente muito acima da média. Cadê o Zero Based Budgeting? É o papel do Estado financiar uma orquestra?
Orquestras sinfônicas nos EUA não recebem subvenção governamental. Sobrevivem—algumas muito bem—com a renda de venda de ingressos, venda de gravações, apoio de pa-trocinadores, e doações filantrópicas. Sua vida financeira exige luta, mas bons lutadores pro-duzem resultados excelentes.
O trabalho realizado para reconstruir a OSESP foi um trabalho excelentíssimo. A Sala São Paulo é de classe mundial, e a orquestra também. Agora talvez tenha que iniciar o trabalho duro de alterar a estrutura financeira da OSESP para que as pessoas que gostam de música clássica, e que a escutam, sejam as que pagam o custo.
Mas o que fazer no interino, enquanto o custo não esteja sendo pago pelos usuários? O que fazer para que não seja perdida a excelência alcançada pela OSESP?
Bom, se o Brasil tivesse os padrões de honestidade da Finlândia, seria fácil: insistir que os usuários arquem com o custo e ponto final. Mas como o país não chega perto à Finlândia, e uma porcentagem elevada dos seus políticos rouba, e muito—só os dólares na conta bloqueada no exterior atribuídos ao ex-prefeito Paulo Maluf (atualmente deputado federal e candidato para prefeito!) subvencionaria a OSESP durante mais de quatro anos—é melhor manter a subvenção. O roubo dos políticos será mantido? Certamente. Então mantenha a subvenção da OSESP. Será uma espécie de contrapartida dos ricos aficionados da música clássica.
Anexo II.
O Presidente mexicano levou o brasileiro à janela. Apontou para fora. “¿Allá usted ve un puente, lo cierto?”
“Sí.”
O mexicano bateu no seu bolso. “Cinco por ciento.”
Alguns meses depois, depois que o mexicano havia completado sua gestão como Presidente, o Presidente brasileiro e sua senhora receberam o casal mexicano numa visita particular na sua residência. Sua casa é um verdadeiro palácio, como também é a fazenda—uma das várias que têm—à qual levaram os mexicnaos para o fim de semana. Como havia ocorrido quando os brasileiros visitaram a Cidade do México, o ex-Presidente mexicano e sua esposa ficaram im-pressionados com as propriedades e a decoração dos brasileiros, especialmente sua coleção de arte.
No final da tarde, então, na hora dos coquetéis, o ex-Presidente mexicano perguntou ao brasi-leiro, “Presidente, digame uma cosa. Sus propiedades son simplemente maravillosos y su co-lección de arte algo que el Louvre le gustaría tener. ¿Cómo lo hace con el sueldo de Presidente?”
O brasileiro levou o mexicano à janela. “¿Usted ve el puente allá?”
O ex-Presidente mexicano olhou para fora. Ficou perplexo. Olhou de novo. “¿Puente? No veo ningún puente”.
O Presidente brasileiro bateu no seu bolso. “Cien por ciento”.
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